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  • Foto do escritorPaula Amorim Advogados

Por que as alternativas à Justiça não têm sido suficientes para consumidores?

SACs são vistos com desconfiança e não diminuem insatisfação dos clientes. Plataformas online têm espaço para melhorias


 

Demandas relacionadas ao Direito do Consumidor são as mais representativas entre os novos casos que chegam à primeira instância dos tribunais estaduais, que seguem atolados de processos. Há anos os meios alternativos de resolução de conflitos se apresentam como uma forma de desafogar o Judiciário, mas a cultura litigante brasileira permanece forte, de forma que não houve uma queda substancial no volume de processos.


Discutido há dois anos na Câmara dos Deputados, um projeto prevê a possibilidade de que um processo só seja admitido pelo Judiciário com provas de que as tentativas de acordo entre consumidor e companhia foram esgotadas sem sucesso. A ideia consta no Projeto de Lei 533/2019, que recebeu parecer favorável do relator na Comissão de Defesa do Consumidor, mas ainda não avançou.


Entre os principais interessados na mudança estão setores que concentram a maior parte das reclamações, como bancos, empresas de telecomunicações e linhas aéreas. Ao mesmo tempo, a eventual  alteração é alvo de críticas pelo entendimento de que cercearia o livre acesso à Justiça e que causaria, como efeito colateral, uma falta de proatividade nas empresas na busca pela solução das questões trazidas pelos consumidores.


Os dois lados concordam que as alternativas de resolução de conflitos – desde as ferramentas organizadas pelos sistemas de Justiça, passando pelas empresas independentes que fazem a intermediação até o atendimento dos próprios fornecedores – devem ser fortalecidas para se firmarem como concentrador das disputas. O que diferencia as abordagens é como isso deveria ser feito, se por obrigação ou por meio de incentivos aos consumidores.


Alternativas limitadas


Quando se trata de resolução de conflitos de consumo, o Brasil tem uma ferramenta nacional que coloca empresas e pessoas para chegar a um acordo: a plataforma consumidor.gov.br, coordenada pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça. Criada em 2014, inicialmente com 133 empresas, ela almeja concentrar e resolver disputas antes que elas escalem para o Judiciário.


Em linhas gerais, o usuário pode se comunicar diretamente com as empresas participantes, que se comprometem a receber, analisar e responder as reclamações em até dez dias (na pandemia, o prazo aumentou para 15 dias). Passado esse período, correm 20 dias para o consumidor comentar e avaliar a resposta da empresa, informando se a reclamação foi resolvida ou não, indicando também seu nível de satisfação com o atendimento do negócio.


Para reduzir litígios judicializados, a plataforma firmou parcerias com 24 Tribunais de Justiça, além do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). Também foi feito acordo de cooperação técnica com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para integração do Processo Judicial Eletrônico (PJe), sistema usado por diferentes tribunais judiciais, ao consumidor.gov.br.


Com isso, espera-se que o consumidor que ajuizou uma ação seja apresentado a uma alternativa mais célere. Após a distribuição do processo, seria possível negociar diretamente com a empresa e o acordo seria homologado judicialmente. Lançada em 2019, a integração é testada em projeto piloto no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e no TRF1.


Uma das críticas que a plataforma recebe e que a afasta como opção ao Judiciário é que há dificuldade em ter acompanhamento de um advogado, o que alguns consumidores podem considerar essencial para a tomada de decisão. “O regulamento possibilita a representação por um advogado, mas a ferramenta não conta com esse campo ou acesso. Mesmo em questões mais complexas não é possível que o advogado participe diretamente”, afirma Laís Bergstein, membro da Comissão Especial de Defesa dos Consumidores do Conselho Federal da OAB, que demandou mudanças à Senacon.


Atualmente, há 1,1 mil empresas e 3,1 milhões de usuários cadastrados, com cerca de 4 milhões de reclamações dadas com resolvidas. Um dos primeiros sinais das limitações do alcance do sistema em resolver as situações nacionalmente aparece já nesses indicadores: quase a metade (48%) do total de queixas estão concentradas no Sudeste, ante uma minoria (3,8%) em estados do Norte.


Em grande medida, isso reflete a distribuição populacional, mas não simetricamente. E, considerando que a ferramenta só pode ser acessada via internet, há a preocupação de que ela não esteja disponível à população com acesso mais precário à rede – por efeitos de conectividade ou mesmo dispositivos que tem a mão. Desse modo, consumidores da zona rural, com acesso intermitente ou idosos seriam os mais prejudicados.


Inclusive, não restringir a busca por solução ao ambiente digital é uma das recomendações da União Europeia para a aplicação de alternativas extrajudiciais, que predominam na região. Analisando um caso de consumo, em 2010, a Corte de Justiça da União Europeia sistematizou as condições que as plataformas deveriam garantir. Além de pontos como gratuidade e celeridade, ela traz recomendações que poderiam servir para o nosso Online Dispute Resolution (ODR) local, o consumidor.gov.br.


Entre os principais problemas apresentados pelos consumidores na plataforma no ano passado, lideraram demandas referentes a cobranças ou contestações por pagamentos – 42% das questões tinham esse perfil. Em segundo lugar, aparecem questões relacionadas a contratos e ofertas, com 18% dos casos. Na terceira posição, com 15% do total, estão as queixas sobre atendimento e Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC). Esse dado acende um alerta sobre a atenção dada pelas empresas a este serviço.


A ferramenta do governo vem como uma opção adicional à disponibilização pelas próprias empresas – independentemente do porte delas – de canais diretos no SAC, em diferentes formatos. Porém, como os dados do consumidor.gov.br apontam, usuários não têm saído plenamente satisfeitos dos SACs.


Outros levantamentos ajudam a entender a opinião geral sobre os canais. Entre 8 mil consumidores consultados, menos de um terço se disse satisfeito com as experiências com SACs, segundo constatou o Instituto Ibero-Brasileiro de Relacionamento com o Cliente (IBRC) e o Instituto de Pesquisas e Estudos da Sociedade e Consumo (IPS Consumo) em levantamento de abril.


O descrédito é corroborado por avaliações da Senacon, que, em 2019, contratou uma consultoria para mapear o funcionamento dos SACs das empresas reguladas no Brasil. De acordo com o professor de Direito Econômico da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo Luciano Timm, que à época era secretário da Senacon, a percepção generalizada de que SACs não funcionam corresponde à realidade, mas empresas não concordam com essa visão. A ineficiência, em vez de evitar, provocaria a judicialização de conflitos.


“Quando deixamos consumidores falarem, sem intermediação, o que pedem são diversidade de produtos, melhor qualidade, menor preço e com transparência e informação. Querem ainda que eventuais dissabores no processo de consumo, sejam resolvidos rapidamente pelas empresas sem necessidade de recorrer ao Poder Judiciário para tanto”, afirma Timm.


Também seria preciso que os SACs evoluíssem adotando ferramentas multicanais para se relacionar com consumidores, fazendo uso de tecnologia para resolver problemas. Por fim, caberia a avaliação e vigilância sobre a efetividade dos serviços. Com base no estudo, a Senacon pediu sugestões de mudança da regulamentação do SAC ao Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (CNDC), entidade que congrega organizações civis de defesa do consumidor, associações empresariais, representantes de governo e agências reguladoras.


Em abril deste ano, o CNDC aprovou texto provisório para substituir o Decreto 6.523/2008, que regulamenta o SAC das empresas reguladas (como telecomunicações, sistema financeiro e saúde suplementar). Nessa versão, algumas das propostas seriam fomentar o uso de diferentes canais de atendimento ao consumidor; criar ferramenta para avaliar a efetividade do SAC; exigir que um contato estivesse disponível sem interrupções.


O texto foi encaminhado à Senacon, que já teria finalizado a proposta, hoje discutida interministerialmente. Atualmente, o órgão é liderado por Juliana Domingues. Uma das alterações em potencial é a obrigatoriedade de ser oferecido atendimento telefônico conduzido por uma pessoa. Considerando o comportamento do consumidor, há razão de ser na proposta.


A maioria entra em contato com o SAC para reclamar e, quando o faz, prefere usar o telefone como meio de contato, segundo o levantamento do IBRC e IPS Consumo. Isso também é percebido entre os mais jovens: na faixa de 30 anos, 66% dá prioridade a esse canal. Assim, atendimentos feitos apenas online tenderiam a ser vistos com desconfiança.


“É preciso que se esteja disponível para ter escuta ativa, ainda que não seja possível entrar em acordo. Muitas vezes, o consumidor está frustrado e o atendimento amplia a insatisfação, em vez de prevenir processos”, aponta Fernanda Guerra, advogada especializada em acordos integrativos e soluções extrajudiciais.


Falta de personalização e empatia são algumas das principais queixas em relação a SACs fracos.




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