A litigância excessiva incentivada pela não aplicação da legislação aérea e os malefícios das indenizações.
Na Latam Airlines Brasil, fazemos com que os sonhos cheguem aos seus destinos e temos como guias sermos seguros, atenciosos e sustentáveis. Queremos fazer parte da sociedade brasileira transportando pessoas e cargas, apoiando a economia circular, projetos sociais e a diversidade na nossa empresa.
Trata-se de uma mega estrutura organizada, coordenada e conectada como se fosse uma fábrica com quase 19 mil funcionários no Brasil, porém essa “fábrica” tem a dificuldade adicional de funcionar interagindo com até 3 milhões de passageiros por mês, em 146 destinos domésticos e internacionais.
Essa fábrica tem várias divisões que cuidam de aspectos distintos, como manutenção de linha, manutenção pesada, serviço de bordo, centro de controle de operações, despacho operacional de voo e o aeroporto, com suas importantes divisões como a loja, check-in, despacho da bagagem, toda a área de cargas e todo o time que trabalha abaixo da asa do avião. Existe também uma equipe especializada em segurança, que são os comissários de bordo, e finalmente os comandantes e copilotos.
Todos esses times trabalham sob uma multiplicidade de regras que tem como principal objetivo a segurança antes, durante e após o voo. Essa é a principal característica da aviação comercial e a maior preocupação da Latam.
Na aviação comercial, as contingências são eventos ou circunstâncias imprevistas que podem afetar a operação normal das companhias aéreas e a experiência de viagem dos passageiros. Estas podem incluir desde fatores pontuais como eventos meteorológicos adversos, como tempestades ou nevoeiros, problemas técnicos nas aeronaves em razão das exigências de segurança, greves de funcionários, restrições regulatórias, problemas de tráfego aéreo, questões de infraestrutura aeroportuárias até situações geopolíticas ou de saúde global, como pandemias e guerras, que exigem uma adaptação rápida das empresas.
Por mais que possa ser difícil entender, os voos não são cancelados ou são atrasados por questões comerciais, mas por situações adversas como as descritas.
Ao longo dos anos, a aviação se tornou o veículo de transporte mais rápido, seguro e eficaz dentre os demais meios de transporte existentes, conectando milhões de pessoas aos quatro cantos do mundo. E essa conexão mundial é regrada por legislações especiais, além dos tratados e convenções internacionais, como reconhece a própria legislação protetiva dos direitos do consumidor.
No Brasil, há uma dicotomia de legislações aplicadas nas operações doméstica e internacional. Para operação doméstica, compreendida pelos voos que partem, se conectam e pousam em território nacional, com algumas exceções, se aplica a Lei 7.565/1986, do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA).
Para a operação internacional, assim como em outros países, aplica-se a Convenção de Varsóvia de 1929, unificada em 1999 pela Convenção de Montreal e inserida no ordenamento jurídico por meio do Decreto Presidencial 5.910/2006.
Em matéria de Direito do Consumidor, o Brasil conta com: a Lei 8.078/1990, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), legislação geral que deu vida a norma de eficácia limitada contida na Constituição Federal; e a Resolução 400/2016, da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que dispõe sobre as Condições Gerais de Transporte Aéreo e em especial sobre direitos e deveres das companhias aéreas e de seus consumidores.
O arcabouço legislativo é rico, mas dele surgem muitos problemas práticos e longe de pacificação.
Na aviação civil é muito comum a aplicação do Código de Defesa do Consumidor como única legislação. Sucede que essa aplicação única e indistinta nega a existência das legislações especiais, ao arrepio da exegese e aplicação de normas pelo critério da especialidade, tanto na operação doméstica quanto na internacional.
Mesmo que não fosse pelo critério da especialidade das normas, as legislações especiais e a geral convivem harmonicamente, principalmente em questões de responsabilidade civil.
Sob a proteção dos consumidores passageiros, as legislações especiais não negam a existência de direitos e deveres dos consumidores, muito pelo contrário. Tanto é que o Código Brasileiro de Aeronáutica, a título de exemplo, prevê dispositivo similar ao Código de Defesa do Consumidor, ao prever a nulidade de cláusulas que “tendenciem” a exonerar a responsabilidade do transportador, quando o CDC prevê a nulidade de cláusulas que exonerem, impossibilitem ou atenuem a responsabilidade de fornecedores.
O Código Aeronáutico é mais abrangente e protetivo, pois “tendenciar” nulifica a cláusula, quando a legislação geral prevê a efetiva exoneração, impossibilidade ou atenuação. De toda forma, trata-se de apenas um exemplo que comprova a necessidade de um olhar mais técnico.
Logo, podemos dizer que a Convenção e o Código Brasileiro de Aeronáutica são legislações específicas do transporte aéreo, regulando-o desde a legalização e importação de aeronaves, até obrigações dos comandantes, além de regular a responsabilidade em caso de atraso, avaria, extravio de cargas e bagagens, atrasos, cancelamentos de voos ou acidentes, devendo, portanto, prevalecer sobre legislação geral.
Neste sentido, e adentrando em um tema bastante espinhoso, a Lei 14.034/ 2020, em relação a indenização por danos morais, seguiu o Código Civil ao prever que a indenização deve se medir pela extensão dos danos, bem como entendimento do Superior Tribunal de Justiça (no Recurso Especial 1.796.716), ao prever que os danos morais somente serão devidos caso comprovado o efetivo prejuízo e sua extensão.
O artigo 251- A, inserido pela Lei 14.034/2020, prevê a necessidade da comprovação do efetivo prejuízo, contrapondo-se a meras alegações e conjecturas. Para vislumbrar a ocorrência de danos morais, algumas análises devem ser feitas, dentre elas se a conduta do agente, mesmo que aplicada a responsabilização objetiva do Código de Defesa do Consumidor, para verificar o real ferimento ao direito de personalidade e honra ou angústia extrema.
Não é o mero desconforto de um passageiro no caso de um cancelamento ou atraso de um voo que justifica o pagamento de indenizações de altas cifras. Ao menos não deveria justificar.
Esta nova norma jurídica – caso entendamos como nova – rechaça o dano moral in re ipsa, ou melhor dizendo, aquele em que presume-se a ocorrência dos danos diante da ocorrência de determinado fato.
Logo, a alteração trazida pela Lei 14.034 é extremamente relevante para segurança jurídica das relações comerciais e continuidade das operações de excelência da aviação civil. Ao mesmo tempo, corre o risco de se tornar letra morta, pois o Código de Defesa do Consumidor é aplicado de forma absoluta, negando a existência do diploma especial como enfatizamos.
E esta inaplicabilidade das normas especiais não ocorre apenas no caso do CBA, mas também em relação à Convenção de Montreal, objeto do Tema 210 do Supremo Tribunal Federal (STF), que firmou a seguinte tese: “nos termos do artigo 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor.”
A temática firmada nos pareceu um avanço pelo reconhecimento da prevalência dos tratados e convenções internacionais, implementando efetivamente a norma ao ordenamento jurídico brasileiro.
Contudo, recentemente, o STF reconheceu novamente a repercussão geral do tema, mas firmando nova tese. O tema 1.240 fixou que “não se aplicam as Convenções de Varsóvia e Montreal às hipóteses de danos extrapatrimoniais decorrentes de contrato de transporte aéreo internacional.”
Ou seja, os aviões voam pelo mundo, juntamente com as legislações e entendimentos, mas como as aeronaves que retornam a seus pontos de partida, as normas retrocedem e sucumbem à aplicação da legislação geral, o que banaliza os danos morais e incrementa a judicialização e a litigância predatória.
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